Umbanda, Candomblé e Quimbanda: diferenças e semelhanças

Muito preconceituadas e comumente associadas a forças negativas voltadas para o mal e de magias negras, as religiões de matriz africana sofrem diariamente com a intolerância religiosa. Frequentes são as notícias de ataques e brutais invasões a terreiros, além das banais profanações e desrespeitos para com os rituais e oferendas dessas crenças.

Umbanda, candomblé e quimbanda não são apenas pertencentes à África, mas são religiões de ampla e consistente adoção e prática pelos brasileiros. Além disso, não devem ser pensadas como se fossem a mesma coisa, já que apenas uma delas apresenta complexidade o suficiente para deixar alguém de fora perdido. Por isso é hora de abrirmos nossas mentes, almas e corações e passarmos a conhecer com qualidade e respeito as diversidades e multiplicidades do nosso país.

Umbanda

Origem

Apesar de ter sido oficializada em 1908, ano da primeira tenda registrada em cartório com o termo "umbanda", a religião tem origens muito anteriores a essa data.

De fato, a umbanda é brasileira e, tanto quanto o indivíduo nativo do Brasil, as raízes dessa religião provêm de três territórios e culturas diferentes: da África, da Europa e do próprio Brasil. A maior influência da umbanda é, com certeza, africana, mas ela também recebeu influências europeias, tanto do kardecismo francês quanto da romana igreja católica, e convergiu, ainda, com costumes e rituais indígenas da terra brasileira.

História

Com a chegada dos colonizadores em terras brasileiras e com a diáspora africana, os indígenas tiveram contato com os primeiros africanos escravizados, o povo bantu (de Angola, Sul da África). Os escravizados bantus acreditavam na incorporação e na comunicação de eguns (espíritos de antepassados desencarnados), assim como os indígenas tupiniquins.

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Portanto o surgimento da umbanda se deu por meio do encontro do escravizado bantu com o indígena nativo do Brasil, sendo que esse último já estava catequizado pelos portugueses. Desse encontro, cultos populares que misturavam santos católicos, crenças indígenas e práticas africanas foram aparecendo, dando origem aos primeiros cultos que futuramente se denominariam como a grande religião popular umbanda.

Rituais e práticas

A ritualística da umbanda é bastante vasta e se difere de um templo para outro, porque cada casa de umbanda possui seus próprios fundamentos passados pelos seus respectivos mentores espirituais. Mas, em síntese, acontecem os mesmos preceitos. O ritual de abertura de uma gira de umbanda é composto de danças para os orixás, cantos de melodias (chamados de “pontos cantados”), defumações com ervas especiais e orações. Após louvores, rezas e pedidos, chama-se em terra a entidade chefe do terreiro, e são entoadas cantigas especiais para a entidade que virá trabalhar no dia.

O guia-chefe, então, depois de realizar os rituais de segurança da gira, chama os médiuns que vão receber as entidades para realizar um atendimento individual. Nesses atendimentos, os guias de luz passam orientações, receitas de banhos com ervas e dão o tradicional "passe mediúnico" para o paciente. Em suma, são realizados diversos rituais nesse momento, mas, acima de tudo, as entidades da umbanda confortam as pessoas de modo carinhoso e humilde.

Candomblé

Origem

O termo “candomblé” é de origem banta e significa “dança”, embora tenha como raiz o quimbundo "kiamdomb" ou o quicongo "ndombe", sendo que ambos significam “negro”. Originalmente, consiste em um sistema religioso autônomo que ganhou forma e se desenvolveu no Brasil a partir da Bahia, com base em tradições religiosas diversas de origem africana, notadamente da região do golfo da Guiné.

História

O candomblé foi trazido para o Brasil no período da diáspora negra. Deu-se inicialmente na Bahia, durante o século XVIII. Nesse período, a Igreja proibia qualquer tipo de expressividade e ritos africanos, julgando o ato como criminoso em conjunto ao governo, por isso os escravizados cultuavam seus orixás, inquices e vodus (próprios da religião africana) passando-os por santos católicos.

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A consequência disso foi o sincretismo do candomblé com o catolicismo, que se perpetua até os dias de hoje.

Rituais e práticas

Os rituais de candomblé contam com cantigas, danças, batidas de tambores e oferendas. Os participantes dos rituais vestem trajes específicos com as cores e guias do seu orixá. Nessa religião, acredita-se em energias.

Durante as homenagens e festividades, são feitos pedidos de revitalização de energias dos antepassados praticantes aos praticantes atuais do candomblé. A representação da energia em movimento dá-se nas danças circulares. Diferentemente da umbanda, no candomblé não há incorporação de espíritos.

Quimbanda

Origem

A quimbanda (ou kimbanda), assim como a umbanda, tem influências mistas, contando não somente com raízes bantu, nagô e yorubá (africanas), mas também abrangem em larga escala vários aspectos da religiosidade indígena brasileira, bem como aspectos da própria religião católica, do espiritismo moderno e, ainda, de correntes orientais diversas.

História

A palavra "quimbanda" (ou "kimbanda") vem de um vocabulário africano em bantu e significa "curador" ou "xamã". Além disso, também se refere a "aquele que se comunica com o além". A quimbanda surgiu conjuntamente com a umbanda, no período da escravidão, quando os bantos e tupi-guaranis estabeleceram contato e começaram a praticar a religiosidade juntos.

Acabaram por se separar, portanto, dois grupos de práticas distintas: um de indígenas que não aceitavam os santos dos brancos europeus (adotados pela umbanda) e outro de indígenas evangelizados que gostavam da ideia do sincretismo santoral. Daí o surgimento de duas correntes paralelas e opostas, que seriam conhecidas no Brasil como umbanda — o culto dos caboclos e pretos evangelizados; e a quimbanda — o culto dos caboclos e pretos que não aceitaram viver embaixo do pé do Deus dos brancos.

Rituais e práticas

A quimbanda trabalha mais diretamente com exus e pomba giras, de uma forma que não se trabalha na umbanda pura. As entidades da quimbanda, de acordo com a cosmologia umbandista, manipulam forças negativas — o que não significa que sejam malignas.

Geralmente, essas forças negativas estão presentes em lugares onde possa haver espíritos obsessores, também conhecidos como espíritos atrasados. A entrega de oferendas é comum na quimbanda, assim como na umbanda, mas variam de acordo com cada entidade, podendo ser desde bebidas alcóolicas e charutos até sacrifícios de animais.

Desmistifique os termos dessas religiões

Por causa de preconceitos diversos e também, muitas vezes, em virtude do racismo enraizado (já que essas religiões têm forte influência africana), muitos termos das religiosidades umbanda, candomblé e quimbanda são interpretados negativamente e até mesmo utilizados com sentido pejorativo. Conheça de verdade o significado deles e desmistifique os preceitos estabelecidos em relação a cada um:

Macumba: originalmente, “macumba” era apenas a designação de um instrumento de percussão de origem africana, semelhante ao instrumento reco-reco. Ao ter sido associada a essas religiões, a macumba virou uma ramificação do candomblé e se refere aos rituais de manifestação mediúnica dessas religiosidades. Muito diferentemente do que se tem na carga dessa palavra, a macumba não é sobre nenhum tipo de ritual maléfico ou de magia negra; e os famigerados “macumbeiros” devem ser respeitados, pois estão apenas exercendo suas fés e crenças dentro de uma nobre religião, como qualquer outra.

Axé: trata-se de uma força invisível, mágica e sagrada. Significa mesmo “força" ou "poder” e é utilizada tanto como uma saudação como sacramento. Pode-se traçar um paralelo entre o “axé” das religiões afro-brasileiras com o “amém” do catolicismo. Por mais que você não seja praticante dessas religiosidades, quando alguém te desejar um “axé”, receba com respeito e carinho.

Gira: ritual da umbanda para realização de trabalhos espirituais por meio de médiuns incorporando entidades. A palavra “gira” é pejorativamente utilizada para definir ou se referir a alguém em situação de loucura ou insanidade mental, mas é um termo que deve ser mais compreendido e respeitado, pois se trata de um rito sagrado para os fiéis umbandistas.

Padê: cerimônia do candomblé na qual se realizam oferendas a Exu, antes do início das cerimônias. A palavra “padê”, quando usada para se referir a drogas sintéticas, não se trata do mesmo “padê” da religião candomblé, portanto os significados não devem ser confundidos e colocados no mesmo pacote.

Exu: ao contrário do que se tem no senso comum, Exu não é uma força negativa e maléfica; não é o equivalente ao Diabo nas religiões de origem africana. No candomblé, Exu é um dos maiores orixás, sendo uma espécie de mensageiro que faz a ponte entre o humano e o divino. Exu é descrito como travesso, fiel e justo.

A intolerância religiosa é um assunto muito sério, mas se torna ainda mais grave quando olhamos para as religiões afro-brasileiras, que são alvo de horripilantes ataques e violências. Por isso é fundamental questionarmos os preconceitos e maldizeres que rondam essas crenças e religiosidades, buscando saber mais sobre esses tipos de fé a partir dos nossos próprios olhos. O importante é entender que toda fé é sagrada e merece ser vista e respeitada com dignidade.

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